Duplicata eletrônica: novas tecnologias precisam garantir proteção aos cidadãos e empresas
Defensores radicais das tecnologias nem sempre conseguem captar que a natureza humana, as guerras econômicas e os conflitos políticos podem se apoderar das inovações e transformá-las em riscos.
Vejamos a praticidade do avião, por exemplo. Aviões não transportam somente pessoas e facilitam a vida. O voo do Boeing-29 levou destruição em massa para Hiroshima. Aproximadamente 7,8 milhões de bombas foram jogadas por helicópteros e aviões norte-americanos.
Da mesma forma, os avanços digitais produziram inegáveis progressos para a sociedade, paralelamente a perturbações sociais.
Entre as ameaças, especialistas apontam a exacerbação de conteúdos inadequados, o aumento da solidão emocional e os riscos à segurança, abalada por golpes virtuais, sequestro de dados privados, proliferação de perfis falsos e fake news.
A história ensina que o propósito inicial de novas tecnologias e suas decorrentes inovações escapa do escopo de somente beneficiar a sociedade. Em geral, embutem, em seu uso, vulnerabilidades sociais.
Estas premissas alertam alguns críticos maniqueístas que, sob o pretexto de defenderem os “avanços tecnológicos”, demonstraram certa frustração com a recente promulgação da Lei 13.7775, o chamado projeto de lei da duplicata eletrônica.
Inicialmente o projeto previa a extinção da figura do protesto de títulos, mas os benefícios sociais-econômicos da nova lei foram preservados, sem destruir um instrumento histórico de relevância aos negócios. Afinal, sob segurança jurídica, o protesto contribui para a resolução de conflitos mercantis e comerciais.
O protesto de títulos – ato público e formal– comprova a inadimplência do devedor, o descumprimento de obrigação constante de título de crédito, ou qualquer outro ato importante relacionado com o título (falta de aceite, por exemplo). No caso das duplicatas aplica-se à falta de pagamento, de aceite e falta de devolução.
Assim, nas relações entre devedores e credores – em uma época na qual tudo se faz on-line (daí também a avalanche de fraudes) – a busca de meios para obrigações não cumpridas é mais do que atual.
E isto sem aumentar a sobrecarga de processos de um Judiciário abarrotado de responsabilidades.
O Congresso Nacional fixou constitucionalmente a legalidade da duplicata “virtual” ou “eletrônica” e ainda reforçou a segurança jurídica de tais atos ao preservar a figura do protesto de títulos.
O Legislativo perdeu a oportunidade de aprovar postecipação (desoneração do custo inicial do credor) para todo o País.
Lamentar a preservação do Protesto impede enxergar aspectos relevantes da nova lei. Deve ser saudada a Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Tabeliães de Protesto (CENPROT), entidade responsável pela escrituração das duplicatas, pela distribuição nacional dos títulos e que prestará informações gratuitas de protesto, dentre outras tarefas.
Modernidade, agilidade e eficiência sempre são bem-vindas. Essas características são intrínsecas aos processos de inovação. A tendência é de que os ganhos, entretanto, serão parciais e perigosos, sem segurança.
Novas tecnologias precisam garantir proteção aos cidadãos e empresas. Do contrário, sem segurança, sempre haverá “uma pedra no meio do caminho”.
* Cláudio Marçal Freire é presidente da Anoreg/BR e vice-presidente do IEPTB/SP
Crédito: DCI